Em entrevista ao infoRH, João Laborinho Lúcio, presidente da ICF – International Coaching Federation Portugal, falou do coaching como um “espaço seguro para se fazer essa reflexão e para se começarem a construir os novos caminhos” no período de crise que vivemos gerado pela pandemia da Covid-19.
Atualmente, qual é o peso da prática de coaching em Portugal? Considerando que o “peso da prática do coaching” tem que ver com a sua importância, sou levado a dizer que o “peso” é muito elevado. Arriscaria, mesmo, afirmar que o coaching é, mais do que nunca, importante. Devo, contudo, esclarecer que quando me referido a coaching, estou a falar de um coaching profissional, rigoroso e ético.
A ICF – International Coaching Federation define coaching como a “criação de uma parceria com clientes num processo estimulante e criativo que os inspira a maximizar o seu potencial pessoal e profissional”. Para que esta relação de parceria seja possível, é fundamental que os coaches tenham formação específica em coaching e que se comprometam com formação, supervisão e mentoria constantes; que respeitem um quadro de competências-chave próprias da profissão de coaching; e que se vinculem e obedeçam a um código de ética que, além de elencar as definições mais importantes para a prática de um coaching profissional, estabelece um conjunto de obrigações que os coaches profissionais devem seguir (como a gestão de conflitos de interesses ou regras de confidencialidade, por exemplo), respeitando e defendendo os seus clientes de coaching.
Cada vez mais organizações integram práticas de coaching nos seus programas de desenvolvimento de talento. Como analisa esta tendência? Desde que, há mais de 30 anos, o coaching começou a ser incorporado nos modelos de gestão das organizações, a curva de crescimento do impacto do coaching no desenvolvimento de talento, por exemplo, não tem parado.
Estas organizações não dispensam envolver processos de coaching executivo individual, de equipas e de grupo junto das suas equipas e colaboradores. Contudo, a criação de culturas de coaching a que se tem vindo a assistir junto destas organizações não tem que ver apenas com a incorporação de processos de coaching com coaches profissionais. Hoje em dia assiste-se ao desenvolvimento de competências de coaching ao nível das lideranças.
É usual vermos nas escolas de coaching com cursos acreditados pela ICF muitos alunos que não procuram iniciar uma carreira enquanto coaches profissionais. Procuram, antes, desenvolver-se enquanto coaches para que possam usar essas competências na liderança das suas equipas e organizações.
Em termos de tendência, é muito interessante começarmos a assistir às micro, pequenas e médias empresas, que constituem a esmagadora maioria do tecido empresarial em Portugal, a adotar programas formais de coaching e a desenvolver competências de coaching na gestão das suas equipas.
Do coaching executivo ao coaching de equipas que vantagens o coaching pode trazer às organizações? Passar por processos de coaching, sejam eles de que natureza forem, está associado a um conjunto significativo de ganhos para os clientes de coaching. Se tiver que resumir esses ganhos a dois, diria ganho de autoconsciência e de responsabilização. Claro que associados a estes ganhos está uma miríade de outros benefícios, nomeadamente relacionados com os motivadores internos.
Num estudo desenvolvido pela ICF e pela HCI – Human Capital Institute sobre “Building a Coaching Culture for Change Management”, concluiu-se que as empresas que desenvolveram culturas de coaching (empresas que incorporam programas de coaching com coaches profissionais e que desenvolvem competências de coaching nos seus líderes e colaboradores) tiveram ganhos em varias aspetos, nomeadamente, no desenvolvimento e engagement dos colaboradores; na retenção e contratação de talento; na produtividade das suas equipas; na lucratividade e na satisfação de clientes, entre outros. Dado o momento atual que o país e o mundo vivem, um estado de grande incerteza e complexidade em que a necessidade de adaptação à mudança parece ser crucial, quero destacar a conclusão deste estudo que aponta que as atividades “coaching-related” foram consideradas como as mais úteis à gestão da mudança.
Como é que a prática de coaching pode ajudar os profissionais a ultrapassar os atuais desafios trazidos pela pandemia? Há muito que todos ouvimos e conhecemos a natural resistência à mudança. Faz parte do nosso ADN. A verdade é que a pandemia da Covid-19 nos fez mudar de um dia para o outro. E mudámos. Mas a maioria das mudanças a que se assistiram foram forçadas e de resultados incertos. Muitas com impactos dramáticos nas pessoas e nas empresas. Outras como oportunidades para a construção de algo maior por comparação com o que existia antes da pandemia.
O coaching surge como um espaço seguro para se fazer essa reflexão e para se começarem a construir os novos caminhos, sejam eles de regresso à “normalidade”, sejam eles de mera adaptação à realidade atual ou, mesmo, de potenciar as oportunidades que a pandemia também trouxe. O espaço de proteção que o coaching oferece tem que ver com a confidencialidade, com a gestão de potenciais conflitos de interesses, mas também com o cuidado e a atenção que o coach coloca no seu cliente de coaching, atenção esta vital em todos os momentos mas que ganha especial cuidado nesta fase, na medida em que os clientes de coaching podem recorrer a processos de coaching quando, na realidade, as suas necessidades podem estar mais relacionadas com outras abordagens como a terapia, por exemplo.
Um coach profissional, rigoroso e ético, sabe que deve sempre, seja em que circunstância for, indicar ao seu cliente a área profissional mais adequada às suas necessidades. Este dever de vigilância que um coach profissional, rigoroso e ético tem, é, também ele, um elemento essencial para a construção do espaço de segurança que os clientes de coaching procuram num processo de coaching. Pois só assim estão criadas as condições para a criação de uma verdadeira parceria, que é o que o coaching é.
A carreira de coach é também uma opção escolhida por cada vez mais profissionais. Quais são as características-chave que uma pessoa que se queira tornar coach deve ter? As soft skills são preponderantes? Em Portugal, a profissão de coaching não está regulada. Sem prejuízo de estar reconhecida pelas empresas e pela comunidade em geral, não há regulação específica, enquadrando-se a profissão de coaching no princípio constitucional de liberdade de escolha de profissão.
Entende, contudo, a ICF que a profissão ou atividade de coaching deve passar por um processo rigoroso de formação e de avaliação. Por isso, a ICF, como entidade independente que é, assume um papel de autorregulação, criando requisitos para quem quiser ser membro da maior organização de coaches profissionais no mundo, atualmente com presença em mais de 70 países e com mais de 40.000 membros.
A ICF, como entidade independente que é, acredita cursos de escolas de coaching (independentes em relação à ICF) que seguem o referencial da ICF. Quem quiser fazer a sua formação como coach através de uma escola com cursos acreditados pela ICF sabe que vai ter formação nas competências-chave da ICF e no seu código de ética. Além de um mínimo de 60 horas de formação (os cursos completos podem chegar até perto de 200 horas de formação), os formandos passam por rigorosos processos de avaliação, de estágio e de mentoria. Terminada a fase formativa, e após um mínimo de 100 horas de prática, podem submeter-se a um exame internacional para a obtenção da primeira credencial da ICF (uma das três disponíveis). Iniciado este caminho, o da profissão de coaching, de um coaching profissional, rigoroso e ético, o coach compromete-se, não só com o cumprimento das competências-chave da profissão, mas também com o cumprimento do código de ética, com formação contínua e com a prática de supervisão e de mentoria.
Escolher fazer este caminho passa não só por acolher nova informação, por estar disponível para aceitar formação, mas também por se envolver num processo de transformação, aprendendo-se a acreditar no processo, nas competências-chave adquiridas e no potencial dos clientes de coaching.
Digo mesmo que escolher fazer este maravilhoso caminho passa por aceitarmos que todos temos um potencial que pode e merece ser ativado. Por isso, estarmos disponíveis para nos conhecermos melhor de forma contínua surge como um requisito preponderante.
A ICF celebra este ano 25 anos. Quais são as prioridades da organização neste momento? A ICF tem como visão que o coaching é parte integrante de uma sociedade próspera e cada membro da ICF representa a mais alta qualidade do coaching profissional. E como sua missão, a ICF existe para liderar globalmente o avanço do coaching profissional.
Este é um caminho que tem sido feito ao longo dos últimos 25 anos e que tem sido feito em crescendo. No número de membros. No número de membros credenciados. No número de países com coaches membros da ICF. No número de Chapters em todo o mundo. Mas também tem sido feito no papel cada vez mais relevante da ICF na construção de uma sociedade próspera, papel esse desenvolvido por todos e cada um dos seus membros. Destaco, a título de exemplo, a recente Declaração Conjunta sobre a Crise Climática assinada pela ICF com outras quatro associações profissionais – Declaração Global de Órgãos Profissionais para Coaching, Mentoring & Supervision -, ou a recente declaração da ICF contra o racismo, a desigualdade e a violência.
No ano do seu vigésimo quinto aniversário, o plano estratégico da ICF prevê os seguintes objetivos estratégicos: aproveitar o ecossistema para impulsionar o crescimento profissional dos membros em busca de maior impacto e confiança; proporcionar um sentimento de pertença através de uma comunidade integrada; posicionar os Coaches da ICF como o padrão de referência; e desenvolver a liderança entre os voluntários.
De registar que a atividade da ICF desenvolvida através dos seus Chapters é feita, quase na sua totalidade, por voluntários que emprestam o seu tempo, energia e sabedoria à construção da visão comum e ao desenvolvimento destes objetivos estratégicos. Em Portugal não é diferente.
Em alinhamento com a ICF Global, a ICF Portugal aprovou, como seus eixos estratégicos para o biénio 2020/2021, ser uma associação inclusiva, relevante e ativa, tendo todo o seu plano de atividades alinhado com aqueles eixos.
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